Apresentação

A proposta de Mestrado Profissional em Estudos de Cultura e Política envolve a necessidade de aprofundar a reflexão acerca do campo interdisciplinar de estudos de cultura no Amapá e na Amazônia nas interfaces sociais, políticas e econômicas, considerando as especificidades geográficas e culturais e a demanda por formação de quadros técnicos e profissionais que atuem no campo das políticas públicas, nas organizações da sociedade civil e em setores privados.

O campo interdisciplinar dos estudos sobre cultura contemporânea é marcado por várias abordagens teóricas em diferentes continentes, as quais incluem os chamados estudos culturais contemporâneos (Hoggart, Hall, Johnson, Eagleton, Williams), os estudos pós-coloniais (Said, Fanon, Guha, Chakravorty, Bhabha, Spivak), os estudos culturais latino-americanos (Restrepo, Canclini, Barbero) e o paradigma modernidade/colonialidade (Quijano, Mignolo, Grosfoguel, Walsh).

Genealogias do campo dos estudos culturais têm sido tentadas alhures, mas é difícil marcar de forma inquestionável a origem desse campo. Essa genealogia, portanto, precisa ainda ser concluída. A sistematização crítica das semelhanças e diferenças entre essas distintas tradições teóricas ainda não foi realizada. Por enquanto, o terreno interdisciplinar de estudos de cultura constitui-se em um campo heterogêneo e diverso, de, a um só tempo, fecundidade e rigor epistemológico, porém – porque constitutivamente crítico e vigilante da epistemologia das ciências humanas – também alheio a profissões de fé epistemológicas. Trata-se de um campo científico em permanente movimento de construção e reconstrução epistemológica e teórica, que tem as relações entre cultura e poder como objeto, e muito sensível aos confrontamentos com os poderes instituídos e aos silenciamentos de sujeitos sociais, incorporando rapidamente esses processos em suas reflexões teóricas e epistemológicas.

Esse entendimento é o de que a constituição de uma agenda de pesquisa, além de uma tarefa científica, é também uma decisão política de uma instituição universitária, na medida em que o ato de decidir o que pesquisar é acionar não só justificativas de natureza teórico-epistêmica para identificar aspectos a serem conhecidos e transformados em saber sistematizado, mas também uma posição valorativa no mundo a pautar o debate público e democrático. Essa decisão está atrelada, então, à capacidade de garantir a sustentabilidade da pesquisa pela possibilidade de associar esse saber-fazer especializado – sob a gestão da universidade e de competência de pesquisadores situados nas exigências de um dado campo científico – a uma ação institucional que provoque rupturas, pavimente alternativas e colabore com a ação institucional de outros espaços e entidades públicas interessadas em garantir o desenvolvimento de um território ou região.

A comunicação entre a Amazônia brasileira e o Caribe apresenta possibilidades de investigação estratégica para a consolidação de um campo de estudos que tem na cultura um elemento central para a compreensão de processos sociais, políticos, territoriais e econômicos – processos esses que singularizam o Amapá como formação social por excelência da comunicação entre Amazônia e Caribe. Ao mesmo tempo, construir conhecimento para a compreensão das práticas e dinâmicas socioculturais que produzem uma realidade povoada pela inter-relação entre culturas ameríndias, africanas, europeias e asiáticas e suas respectivas confluências globais e locais se apresenta como possibilidade de integração regional pela via da produção de conhecimento, desde as realidades e contextos singulares que marcam essa região onde Amazônia e Caribe se encontram e se entrelaçam pela via de marcas, práticas, processos e perspectivas culturais originais.

A proposta de uma agenda de Estudos Interdisciplinares em Cultura surgiu a partir da necessidade e da possibilidade de compreender o território do Amapá como intersecção entre Caribe e Amazônia a partir da pesquisa no campo da cultura e suas implicações nas esferas sociais, políticas e econômicas. A Universidade Federal do Amapá, na região, tem se empenhado a construir relações institucionais para cooperação técnico-científica na região do Platô das Guianas. Nessa perspectiva, o Programa de Mestrado em Estudos de Cultura e Política contribui nesse processo de desenvolvimento institucional da UNIFAP, no trabalho de produzir conhecimento sobre a região, porém ressaltando a esfericidade de sua formação social nessa intersecção, única em toda a América Latina, entre sociedade amazônica e cultura caribenha.

A institucionalização de uma agenda de investigação permanente e sustentável de estudos de cultura e política se apresenta assim como possibilidade de consolidação e fortalecimento das redes de pesquisa do estado do Amapá no contexto regional, visando sobretudo discutir e dialogar acerca das especificidades, diferenças e verossimilhanças em diálogo situado nos estudos das práticas e processos socioculturais. Atualmente, a Universidade Federal do Amapá tem cooperação na região da Amazônia Caribenha com cinco outras universidades, além de uma rede de universidades na América Latina e Europa. O estreitamento das redes de cooperação dos países, por meio de programas de pós-graduação e pesquisadores, não só garante diálogo inter-regional como se torna uma via à internacionalização da área de estudos sobre cultura e política na Amazônia Caribenha, garantindo inserção no circuito de produção científica na área de Estudos Interdisciplinares em Cultura.