Teoria e Análise Linguística III

Uma reanálise de Aspecto como Auxiliares TAM em Dâw

Luciana Storto (USP)

Maurício Carvalho (USP)

 Analisamos, com base em dados originais coletados em campo no período de um ano entre 2013 e 2014 (Projeto de Documentação da Língua e Cultura Dâw, ELDP/SOAS), os 15 morfemas de aspecto descritos em Martins (2004) para a língua Dâw (Nadahup). Trata-se de morfemas funcionais que ocorrem, em sua grande maioria, como formas livres (com apenas uma exceção, a do sufixo “télico” -ãm) e em posição pós-verbal. Martins (2004) descreve a origem diacrônica destes morfemas na língua como formas gramaticalizadas a partir de verbos (e uma apenas a partir de um nome), análise com a qual concordamos. No entanto, a função exata de alguns destes morfemas sincronicamente parece incluir outras categorias funcionais além de aspecto, justificando uma reanálise.

Paradigmas verbais com os morfemas investigados foram elicitados com 3 falantes da língua Dâw. Várias classes verbais foram incluídas nos paradigmas, e foram formadas sentenças em todos os tempos verbais. O linguista apresentou frases em Dâw tiradas da gramática de Martins e de textos coletados durante o projeto de documentação. Quando não se tinha a ocorrência da sentença desejada em Dâw, formulava-se uma sentença em português e se pedia a tradução em Dâw.

Por exemplo, o morfema -wʉd (glosado como “aspecto frustrâneo” por Martins) parece indicar um tipo sentencial existente em várias línguas amazônicas, equivalente ao modo frustrativo, usado quando a sentença expressa uma expectativa frustrada. Um outro morfema que certamente não expressa noções aspectuais apenas é tâg (“habitual 1”, de acordo com Martins), uma vez que ele nunca ocorre em sentenças traduzidas no tempo futuro. Talvez uma glosa mais adequada seja a de “não-futuro habitual” ou a de “realis habitual”. O morfema jow (“progressivo 1” para Martins) parece ser perfectivo no passado e imperfectivo no presente.

Nossa análise é de que alguns dos morfemas descritos como aspecto em Dâw por Martins são, na verdade, morfemas portmanteau que carregam noções de tempo, aspecto e modo (TAM). Uma vez que estes morfemas TAM recebem sufixos de imperativo e negação, típicos de verbos, hipotetizamos que se trata de auxiliares pós-verbais. Finalmente, como o auxiliar é um tipo especial de verbo nas línguas do mundo, que funciona como verbo leve semanticamente e como locus de morfologia flexional verbal, nossa análise explica, ainda, porque 2 dos 15 morfemas descritos por Martins como aspecto funcionam como verbalizadores em Dâw (xâd ocorre apenas com verbos intransitivos e dâr com transitivos, de acordo com Costa 2014). Consideramos que, dentro do paradigma gerativista, estes auxiliares são inseridos diretamente no nó flexional de uma sentença (I), onde estaria ativa a semântica funcional de tempo, aspecto e modo.

 Palavras-chave: Aspecto, TAM, Dâw.

Referências

Carvalho, Maurício Oliveira de. 2015. Aspecto Verbal na Língua Dâw. Relatório de Qualificação de Mestrado. Universidade de São Paulo.

Costa, Jéssica Clementino da. 2014. A Estrutura Argumental da Língua Dâw. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo.

Martins, Silvana. 2004. Fonologia e Gramática da Língua Dâw. Tomo I e II. Tese de Doutorado. Universidade de Amsterdã.

_________________________________________________________________________________________

A FORMAÇÃO DO VERBO NA LÍNGUA IKPENG

Angela Fabiola Alves Chagas (UFPA)

O objetivo deste trabalho é apresentar a estrutura e o processo de formação dos verbos na língua Ikpeng, pertencente ao ramo Pekodiano da família Karib (MEIRA e FRANCHETTO, 2005). O Ikpeng é falado por cerca de 500 pessoas que vivem em quatro aldeias, no estado do Mato Grosso, dentro dos limites do Parque Indígena do Xingu. Nesta língua, os verbos são o resultado da combinação de um categorizador verbal (morfema funcional) com uma raiz sem categoria sintática (morfema lexical – (√)), ou com um nome (N) ou com um adjetivo (A). Os morfemas usados para formar verbos a partir de raízes sem categoria gramatical são os mesmos encontrados na derivação de verbos a partir de outras categorias gramaticais (como nomes e adjetivos). Os verbalizadores Ikpeng podem ser fonologicamente realizados ou nulos. Até o presente momento identificamos oito morfemas verbalizadores nessa língua: {-Ø}; {-ge}; {-ke}; {-me}; {-pang}; {-te}; {-tong}; e {-m}. Ao que pode ser observado não há distribuição desses morfemas quanto à valência verbal, isto é, não há um grupo de morfemas que formem exclusivamente verbos transitivos e outro que forme verbos intransitivos, o que de acordo com a proposta de Hale e Keyser (2002), que orienta a análise proposta nesse trabalho, significa que eles não pertencem a uma única estrutura argumental. A combinação de uma raiz (√), de um nome (N), ou de um adjetivo (A) aos verbalizadores dá origem a um tema verbal que serve como base para receber outros afixos de caráter derivacional ou flexional. Os temas verbais [√/N/A+vblz] desprovidos de morfologia flexional são ininteligíveis para os falantes nativos da língua Ikpeng. É obrigatória a realização dos prefixos pessoais e/ou dos sufixos TAM para que haja uma palavra verbal.

Palavras-chave: Verbo. Formação. Derivação. Ikpeng. Karib.

_________________________________________________________________________________________

As classes verbais em Pareci (Aruák)

Ana Paula Brandão (UFPA)

Esta comunicação trata das classes verbais da língua Paresi. Paresi é uma língua falada por aproximadamente 3000 pessoas no Estado do Mato Grosso. Alguns dos trabalhos sobre Paresi são: Rowan & Burgess (1969), Silva (2013, 2014) e Brandão (2014). Em Paresi, verbos podem ser identificados de acordo com a valência e o papel semântico de seus sujeitos. Em termos da valência, os verbos podem ser intransitivos, transitivos ou bitransitivos. Em termos de papel semântico dos seus sujeitos, o verbos em Paresi exibem o sistema agentivo-paciente. Verbos intransitivos podem ser classificados em agentivos ou não-agentivos dependendo do tipo de marcação de pessoa que eles tomam.

Segundo Aikhenvald (1999), a maioria das línguas Aruák mostram um alinhamento semântico. Estas línguas apresentam marcação de concordância com sujeito através de prefixos ou sufixos e a classificação de verbos estaria relacionada a este tipo de marcação. A classificação de verbos em línguas Aruák geralmente é feita em três classes: transitivos, intransitivos ativos e intransitivos estativos. A divisão no grupo de verbos intransitivos é sintaticamente marcada, já que o sujeito de verbos intransitivos estativos e o objeto de verbos transitivos são marcados com a mesma forma, enquanto o sujeito de verbos transitivos recebem uma marcação diferente. Semanticamente, os termos ativo e estativo são usados pois a escolha do tipo de marcação de concordância depende do parâmetro ‘evento’ (Danielsen and Granadillo, 2008), considerando-se estativos como não-eventivos (a exemplo de ‘amar’, ‘estar cansado’) e ativos como eventivos (tais como ‘caminhar’, ‘comer’). Este sistema é encontrado em línguas ergativas.

No caso do Paresi, a marcação de concordância indica as classes verbais, porém o Paresi não é uma língua ergativa. A divisão no grupo de verbos intransitivos é marcada morfologicamente da seguinte forma: i) os verbos intransitivos agentivo (ou ativos) recebem a mesma marcação de sujeito que verbos transitivos (os proclíticos do grupo A com a vogal a) ; ii) verbos intransitivos não-agentivos (estativos) recebem um marcação de sujeito diferente (os proclíticos do grupo B).

Tabela 1: grupos dos proclíticos em Paresi

  Grupo A Grupo B
1sg na= no=
2sg ha= hi=
3sg Ø= Ø=
1pl wa= wi=
2pl za= xi=
3pl Ø=…-ha Ø=…-ha

Semanticamente, no grupo dos verbos ativos ou de controle estão os verbos cujos participantes são atores que performam, efetivam, instigam ou controlam a situação denotada pelo predicado. Enquanto que no grupo dos verbos não-agentivos estão os verbos cujos participantes são undergoers ou não têm controle, porque os participantes desses verbos referem-se a conceitos de propriedade e a alguns eventos que não são perfomados ou controlados pelos participantes desses verbos (tais como ‘morrer’, ‘acordar’, ‘dormir’). Minha análise é baseada em trabalho de campo (textos e elicitações), usando a abordagem funcionalista-tipológica em autores como Donohue e Wichmann (2008), Mithun (1991) e Moura (2012). (Este trabalho teve apoio da bolsa CAPES/PNPD no período 2014-2015).

 Palavras-chave: Verbos. Paresi. Agentividade.

_________________________________________________________________________________________

CONSTRUÇÕES RECÍPROCAS EM PARKATÊJÊ (TIMBIRA)

 Cinthia Neves (PPGL/UFPA)

Marília Ferreira (PPGL/UFPA)

 “Uma situação com dois ou mais participantes (A, B…), na qual, para pelo menos dois dos participantes A e B, a relação entre A e B é a mesma relação entre B e A”. Esta relação de igualdade  é o que, segundo Haspelmath (2007), define reciprocidade. As línguas podem expressar estas relações mútuas entre os participantes do evento implícita ou explicitamente, por expressões livres ou especializadas, em multi ou monocláusulas, por recíprocos lexicais ou gramaticais. Este trabalho se propõe a apresentar como o Parkatêjê – língua Timbira (Jê), falada no sudeste do Pará – lida com as situações recíprocas. A proposta de Ferreira (2003) sugere esta língua “apresenta um pronome recíproco, aipẽn, o qual, em algumas construções, aparece marcado por uma posposição (…) e em outras aparece não marcado”. Do ponto de vista da análise que se pretende apresentar aqui, esta língua distingue pelo menos três tipos relações mútuas: recíprocos prototípicos, eventos naturalmente recíprocos e eventos recíprocos sequenciais. Nessas construções, semanticamente, os participantes são igualmente agente e paciente; sintaticamente, ambos ocupam a posição de A e aipẽn ocupa a posição de O para indicar a reciprocidade. As posposições que podem ocorrer com a forma recíproca são o dativo mã e o comitativo kot. A ocorrência de uma e outra parece estar ligada a uma propriedade chamada por Kemmer (1993) de “distinguibilidade relativa de eventos”, que sugere a distinção entre simultaneidade (eventos naturalmente recíprocos) e sequencialidade: eventos marcados com dativo são simultâneos, ao passo que eventos marcados com comitativo são sequenciais. Além de poder ser marcada por posposição, esta forma responsável pela expressão de reciprocidade não distingue em pessoa; tais características se assemelham mais a um comportamento de nome do que de um pronome. Tratar aipẽn como um nome leva esta análise a se diferenciar de outras descrições das línguas Timbira, que também se referem ao recíproco um ‘pronome’. Esta pesquisa contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 Palavras-chave: Parkatêjê. Reciprocidade; Línguas Jê.

_________________________________________________________________________________________