Documentação Linguística e Estudos Lexicais

Documentação linguística na Amazônia: abordagens e métodos

Glauber Romling da Silva, Universidade Federal do Amapá

Nas últimas duas décadas, a documentação linguística consolidou-se como campo com objetivos e métodos próprios. Com a iminente e acelerada perda da diversidade linguística mundial, fundos para projetos de documentação foram disponibilizados, bem como instrumentos técnicos para a execução das tarefas que envolvem esse processo foram criados. Com uma miríade de possibilidades, tanto de suporte quanto de execução eficiente, o desafio é talhar de maneira apropriada o formato de um projeto ou trabalho de documentação linguística. Este trabalho tem por objetivo apresentar três experiências de documentação linguística distintas e apresentar métodos para abordagens mais objetivas de execução: o projeto Paresi-Haliti (Arawak), o trabalho com os Pirahã (Mura) e a experiência na Licenciatura Intercultural Indígena da UNIFAP.  a) Projeto com bilíngues de amplo contato: Os Projetos* Documentation of the Paresi-Haliti Language (Arawak) e Documentação de Língua Arawak do Sul: o Paresi-Haliti* foram projetos de escopo amplo, ou seja, buscavam documentar eventos verbais culturalmente relevantes em campo para a obtenção dos resultados clássicos, a saber: gramática descritiva (Silva, 2013), léxico e textos. Com o suporte de softwares de documentação linguística aliados a uma abordagem participativa, que envolveu a capacitação de pesquisadores indígenas, construiu-se um corpus multimídia diversificado com mais de 100 horas. b) Projeto com monolíngues de restrito contato: A experiência de documentação com os Pirahã (Mura)** visava à documentação do próprio processo de pesquisa. Por se tratar de falantes monolíngues e com pouco contato com a sociedade não-indígena, além da escassez de dados com registro audiovisual e metodologia clara, muita discussão e controvérsia foi gerada no debate teórico (Everett, 2005, 2009; Nevins et alii, 2009a, 2009b). Nesse caso, a formação de uma base de dados enxuta, porém robusta se fazia necessária. c) Formando professores-pesquisadores indígenas: Diferentemente das duas experiências anteriores, a Licenciatura Intercultural Indígena (LII) da Universidade Federal do Amapá não figura como um projeto clássico de campo para a pesquisa. Criada em 2007, recebe 30 novos alunos todos os anos. Dentre as disciplinas ministradas, há aquelas voltadas especificamente para documentação e descrição de línguas. Todos os linguistas da LII têm experiência com documentação linguística, sendo assim, boa parte dos projetos empreendidos pelos mesmos utilizam técnicas e conceitos deste campo. Metodologicamente, comparamos o custo-benefício de algumas abordagens, utilizando critérios como: característica de contato da comunidade envolvida, escopo do projeto, prazo para execução, contrapartida para a comunidade envolvida, resultados científicos esperados, verba e equipe disponíveis. Este trabalho visa a ser uma contribuição para os campos da documentação linguística e da educação escolar indígena. Palavras-Chave: documentação linguística, paresi-haliti, pirahã. Agências de fomento: *CNPq, ELDP/SOAS, Museu do Índio/UNESCO; ** FAPESP, CNPq.

Referências:

Everett, D. 2005. Cultural constraints on grammar and cognition in Pirahã: another look at the design. Current Anthropology 46(4), 621-46;

Everett, D. 2009. Pirahã culture and grammar: a response to some criticisms. Language 85, 405-442;

Nevins, A., D. Pesetsky & C. Rodrigues. 2009a. Piraha Exceptionality: a Reassessment. Language 85(2), 355-404;

Nevins, A., D. Pesetsky & C. Rodrigues. 2009b. Evidence and Argumentation: a Reply to Everett (2009). Language. 85.3, 671–681;

Silva, G. 2013. Morfossintaxe da Língua Paresi-Haliti (Arawak). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Linguística. Rio de Janeiro: UFRJ.

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Características formais de um relato dos clãs: Arara

-Trapézio Amazônico Colombiano

W. Eduardo Gómez-Pulgarín, (UFPA)

 Um episódio relevante no mito de origem dos Tikunas é a pesca dos “homens verdadeiros”, que adotaram por mandato de Yoí um sistema de casamento exogâmico. Os relatos sobre este tema podem ser muitos como também as formas de os contar. O exercício proposto para esta comunicação analisa e comenta alguns dos traços linguísticos ou características formais e poéticas de um relato coletado no povoado de Arara (Trapézio Amazônico Colombiano). O relato gravado em 2008, que consta de 15 minutos, tem 247 linhas e amostra uma estrutura interessante, já que não só se centra no relato dos clãs, senão que explora outros campos semânticos referidos a contextos próprios de enunciação ou contexto social imediato. Assim, este trabalho propõe como metodologia e aporte um tipo de transcrição baseado nos postulados da etnopoética (Hymes 1998), o qual permite um tratamento dos dados a partir de linhas, versos e estrofes. Tal organização dos dados, nos deixam examinar alguns elementos de valor deíctico, como o uso de demonstrativos e anafóricos que cumprem uma função no relato. Igualmente, o dialogismo se apresenta como outro ponto interessante a discutir, já que se bem existem comunidades vizinhas – como a Uitoto – que a usam como característica própria da sua tradição oral; em Tikuna estes dados estão ainda por explorar, como também as estruturas do paralelismo que se fazem presentes ao longo do relato. Sobre esta temática existem propostas que podem dar uma luz sobre as características das narrações ameríndias; analises teóricos prévios assinalam traços tipológicos para uma área de discurso amazônica no Noroeste (Cf. Beier et al 2002); entre eles se acham as representações dialógicas, encontros cerimoniais, evidencialidade, práticas de fala reportada, paralelismo, uso de línguas especiais do pajé, etc. Assim a partir deste análise e metodologia-aporte, se quer discutir e refletir sobre a pertinência deste tipo de textos orais na documentação das línguas da região

Palavras-chave: Etnopoética, traços linguísticos, Tikuna, Documentação linguística.

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Documentando para preservar:
histórico e perspectivas da documentação cultural e linguística entre os palikur

Elissandra Barros (UNIFAP-UFRJ)

Os altos custos do trabalho de campo e a dificuldade de aquisição dos equipamentos necessários para a documentação costumam ser obstáculos que o pesquisador precisa superar antes de chegar à aldeia. Dado o restrito fomento à pesquisa com línguas indígenas no Brasil, é comum que o pesquisador desta área vá para a aldeia com recursos de projetos diversos, frequentemente ligados à escola e à formação de professores indígenas, e realize a coleta de dados paralela à execução de tais atividades. Contudo, uma outra dinâmica é possível: a capacitação paralela desses professores em pesquisadores indígenas. Essa tem sido nossa proposta desde 2009, quando iniciamos o trabalho de documentação entre os Palikur. Desde então, temos nos preocupado com o registro e a criação de um acervo digital, para o qual o trabalho dos pesquisadores indígenas tem sido fundamental. A ideia é que o acervo seja acessível ao povo Palikur e, futuramente, poderá estar disponível para outros interessados, segundo os critérios estabelecidos pela própria comunidade. Nesta apresentação mostraremos o início do processo de documentação entre os Palikur, os avanços e desafios enfrentados durante a realização de diversos projetos, entre os quais destaco, por ordem de execução, as parcerias com o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a Pró-Reitoria de Ações Comunitárias (PROEAC); o Programa Institucional de Iniciação a Docência (PIBID); o Saberes Indígenas na Escola (SIE) e o  Endangered Languages Documentation Programme (ELDP). Foram as parcerias e ações originárias desses projetos que nos permitiram realizar as atividades de formação de pesquisadores indígenas, sempre com o objetivo de constituir um grupo de professores/pesquisadores palikur capaz de manusear os equipamentos, de utilizar ferramentas para a análise linguística; de refletir sobre seu próprio povo e língua, além de ser multiplicador dos conhecimentos apreendidos durante os encontros e oficinas. A ideia fundamental é que os indígenas não sejam somente informantes ou  tradutores mas que, de fato, se constituam como pesquisadores. Para isso, nossa atuação dentro do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena e o convívio com as comunidades indígenas da região tem sido de grande importância. As experiências, desafios e resultados desse trabalho são aqui demonstrados através de relatos, fotografias e da apresentação do estado atual do Acervo Palikur.

Palavras-chave: Documentação – línguas – Palikur

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Glossário Etnolínguístico de plantas medicinais e técnicas de saúde:
Parktêjê-Português

Jaqueline de Andrade Reis (UFPA)

Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira (UFPA)

Este trabalho propõe a elaboração de um glossário que compreende a natureza lexical das terminologias utilizadas nas plantas medicinais e técnicas de saúde: Parkatêjê-Português tendo em vista a ampliação e documentação dos estudos linguísticos dessa língua em perigo de extinção. O parkatêjê, língua Timbira pertencente ao Tronco macro-Jê, família Jê (FERREIRA, 2003), a qual é falada em duas aldeias no município de Bom Jesus do Estado de Tocantins, a trinta quilômetros de Marabá, no Sudeste do Estado do Pará. A abordagem teórica utilizada está pautada nos estudos das áreas da Lexicologia e da Lexicografia, ciências que possuem em comum a documentação, descrição e análise do léxico geral das línguas, ou seja, o conjunto de lexias que denominam o mundo biossocial em que a cultura dos povos se desenvolve. A metodologia usada para a confecção deste trabalho consiste na pesquisa de campo em uma aldeia falante de parkatêjê, na localidade supracitada. Os informantes arrolados para o desenvolvimento da pesquisa são indígenas monolíngues e bilíngues (falantes de parkatêjê), com faixa etária entre 45 a 75 anos de idade, escolarizados e não-escolarizados. A Coleta de dados é feita por meio de entrevistas através da aplicação de um questionário semi-estruturado, composto por variadas questões a respeito do universo lexical inseridos no contexto de uso das plantas medicinais que são utilizadas pela comunidade indígena no tratamento de variadas doenças. Além deste método de recolha dos dados, também utilizamos recursos áudio-visuais com a finalidade de registrar e documentar as imagens e as narrativas orais que compõem o acervo de registros do glossário. Como resultado preliminar da pesquisa bibliográfica encontramos lexias como mpokukreti (urtiga) espécie de planta utilizada para o tratamento da malária e rôr (cupim) espécie de inseto usado para o tratamento de osso quebrado (Me Ikwý Tekjê Ri, 2011). Lexias como essas compõem os termos entradas dos verbetes do glossário que está organizado em sua macroestrutura de forma semi-sistemática, ou seja, dentro de seus campos conceituais (semânticos) e em ordem alfabética. No que concerne à microestrutura, esta se apresenta nos seguintes campos, conforme esquema a seguir: lexia entrada + categoria gramatical + definição +/- remissiva +/- nota. A presente pesquisa tem apoio da Universidade Federal do Pará, por meio do grupo de pesquisa de línguas indígenas.

Palavras-chave: Glossário. Lexicologia.  Parkatêjê.

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Dicionário da língua Suruí do Tocantins (Aikewára)

Jorge Domingues Lopes (UFPA – Tocantins/Cametá)

 

A língua Suruí do Tocantins, pertencente, segundo Rodrigues (1984/1985), ao subgrupo IV da família linguística Tupí-Guaraní (tronco Tupí), dos índios Aikewára na T.I. Sororó, no sudeste do Estado do Pará, está ameaçada de extinção, sendo falada atualmente apenas por poucos adultos e velhos. Essa língua passou há pouco tempo a ser ensinada na escola da aldeia, em sua forma oral e escrita e, desta nova perspectiva, surgiu a necessidade de desenvolvimento de materiais baseados na escrita, principalmente com uma perspectiva didática. Nesse contexto, iniciou-se em 2012, ainda durante uma pesquisa para o doutorado, uma nova etapa de documentação da língua Suruí do Tocantins, já com a finalidade de propiciar a construção de um dicionário dessa língua, contando sempre com a participação ativa de professores Aikewára na condição de pesquisadores de sua própria língua. Desse trabalho inicial, como o apoio do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília, foi feita uma breve descrição fonético-fonológica, morfossintática e lexical dessa língua e, ainda em 2014, chegou-se a uma primeira proposta de dicionário. Com dados linguísticos armazenados no programa Línguas – Base de dados para documentação linguística (Lopes, 2014), foi gerada uma primeira versão do dicionário bilíngue semasiológico nas direções Suruí do Tocantins-Português e Português-Suruí do Tocantins. Com relação à microestrutura desse dicionário, ela foi estabelecida em uma padronização baseada nas estruturas identificadas a partir de um levantamento de centenas de materiais lexicográficos (listas, glossários, vocabulários e, sobretudo, dicionários) já produzidos a partir das línguas indígenas brasileiras. Na etapa atual do trabalho, espera-se ampliar ainda mais a base de dados, alimentando-a com novas entradas, além de multiplicar a quantidade de enunciados (exemplos) nas respectivas línguas. Além disso, a documentação, análise e tratamento dos dados linguísticos e a consequente construção lexicográfica baseiam-se nas orientações teóricas de Haensch (1982), Rodrigues (2010), Cabral e Rodrigues (2003), Haviland e Farfán (2007), Lopes (2014).

Palavras-chave: Língua Suruí do Tocantins; lexicografia; documentação linguística.

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