Teoria e Análise Linguística I

 

Relíquias e precursores de incorporação nominal: um estudo tipológico

Dirceu Fernandes Lira de Sena (Unicamp/IEL)

 

Em trabalho recente, Fleck (2006, p.59) faz uma análise da língua Matsés (Pano) com o objetivo de abordar a questão do status de um conjunto de 28 formas monossilábicas que se anexam a raízes verbais, adjetivais e nominais e que representam frequentemente partes do corpo humano. Conjuntos similares são encontrados em outras línguas Pano, e há uma discussão entre os especialistas se se pode considerar essas formas como casos de afixação lexical ou como casos de incorporação nominal (IN). Citando diversos trabalhos, entre os quais os de Bogoras (1922) e Jacobsen (1980), Mithun (1984, p.885-889) mostra que é comum que raízes dentro de composições permaneçam no lexicon ainda que seus cognatos independentes tenham sido substituídos. Nesses casos, torna-se difícil distinguir essas raízes de um afixo, afirma Mithun (1984, p. 887). As línguas Nadëb (Maku) e Tonga (Austronésia) também apresentam um fenômeno que não é exatamente IN, mas que está relacionado a este fenômeno morfossintático sob uma perspectiva diacrônica. O que estas duas línguas apresentam são casos conhecidos na literatura como noun stripping. Em Spencer e Zwicky (1998, capítulo 4), Gerdts afirma que, quando ocorre um noun stripping, os dois elementos (nome e verbo) permanecem como palavras separadas de acordo com critérios fonológicos, como o deslocamento tônico. De qualquer forma, há uma unidade entre o nome e o verbo. Em Kusaiean (Austronésia), afirma Gerdts, os advérbios podem aparecer após um verbo, mas não entre um verbo e um stripped noun. O autor afirma que o noun stripping pode ser visto como um precursor da IN. Poderíamos falar de um estágio inicial a partir do qual a língua pode, ou não, desenvolver casos de IN morfológica, como acontece, por exemplo, em línguas como Munduruku (Munduruku) (vide Gomes, 2008). Em seu trabalho clássico sobre IN, Sapir (1911) afirma que a IN deve ser vista sempre do ponto de vista sincrônico. O autor chama atenção para o perigo de se fazer uma análise descritiva sincrônica enviesada por considerações históricas. De fato, deve-se ter em mente que, do ponto de vista diacrônico, é comum que as línguas naturais sofram processos de gramaticalização (Meillet, 1912), mas esses processos não podem interferir na análise sincrônica por parte do pesquisador. Com base nos trabalhos supracitados e em uma amostra representativa de sentenças das línguas Nadëb, Munduruku e Matsés, a comunicação individual tem por objetivo apresentar as principais diferenças entre o que podemos chamar de noun stripping, IN morfológica e afixação lexical. (Bolsista CAPES)

Palavras-chaves: incorporação nominal; tipologia linguística; línguas indígenas.

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Classificação interna da Família Linguística Pano

Elder Lanes (UFRR)

A família Pano se caracteriza por possuir uma grande homogeneidade linguística e cultural e, ao mesmo tempo, ocupar uma área quase contígua de terras que vão desde do alto Solimões ao alto Purus. Fora deste território somente encontramos elementos desta família no território de Rondônia e no noroeste da Bolívia no alto Madeira e rio Beni. A despeito disso tudo, verificamos ainda enormes vazios e problemas na construção de um quadro que sistematize as diferenças e relações entre os diversos grupos Pano. Com efeito, grupos como o Jaminawa – ou Yaminahuas – “considerados por muito tempo como um só grupo étnico, representam de fato segundo Townsley (1988) um conjunto politicamente heteróclito, se bem que culturalmente homogêneo, que compreende as diversas frações batizadas como Yaminahuas: os Sharanahuas, os Marinahuas, os Mastanahuas, os Morunahuas, os Parquenahuas (recentemente contatados e também conhecidos como Yoras ou Nahuas), etc.” Por outro lado, reconhece-se que todos os grupos pertencentes e/ou identificados como sendo da família Pano, compartilham da mesma origem mitológica. É comum, por exemplo, verificar, em um dos grupos, explicações acerca da existência e surgimento de outros grupos. O presente trabalho tem por objetivos gerais a comparação de línguas da família linguística Pano faladas nos Estados do Acre e do Amazonas (Vale do Javari), Brasil, focalizando determinados aspectos de mudança linguística. Ao todo, utilizamos, para o presente trabalho, dados de 11 línguas, a saber: Jaminawa, Yawanawa, Kaxarari, Kaxinawa, Shanenawa, Katukina, Arara, Poyanawa, Matsés, Marubo e Matis. Incluímos entre os nossos objetivos uma revisão crítica da aplicação da léxico-estatística para a comparação de línguas. Na parte principal desse trabalho, aplicamos às línguas Pano aqui estudadas, do método para comparação de línguas que, desenvolvido por Morris Swadesh, é conhecido como léxico-estatística. Com isso, empreendemos o levantamento preliminar do grau de proximidade e afastamento existente entre as línguas dessa família. De forma complementar, nos valemos de análise acústica para estabelecimento do quadro de vogais de um possível proto-pano e suas transmutações para as línguas atuais.

Palavras-Chave: Léxico-Estatística. Linguística Histórica. Família Pano.

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Análise comparativa Cayapó do Sul, Panará e Mebẽgôkre

Eduardo Alves Vasconcelos (UNIFAP/NELI)

Heelas (1979) levantou a hipótese de que os Cayapó do Sul, contatados na região centro-sul de Goiás, ainda no século XVIII, e dado como extintos no início do século XX, seriam os antepassados do Panará, contatados na década de 1960, no norte do Mato Grosso, divisa com Pará, numa região conhecida como Serra do Cachimbo. Uma das motivações da hipótese foi a feliz coincidência de encontrar o termo panariá na lista de palavras Cayapó do Sul coletada por de Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), em 1819, no aldeamento de Mossâmedes, próximo a então capital do Estado de Goiás: Vila Boa. Essa hipótese é retomada e corroborada por Schwartzman (1985), Giraldin (1997), Dourado (2001, 2004) e mais recentemente em Vasconcelos (2013). Dessas análises, somente a última se propõe a discutir a questão a partir de análises comparativas com demais línguas da família Jê, especificamente, Apãniekrá, Apinajé e Tapayúna. A análise comparativa demonstrou a estreita relação que a língua que foi falada pelos Cayapó do Sul tem com o atual Panará, apontando também para uma clara diferenciação, do ponto de vista fonológico, do Panará das demais línguas Jê Setentrionais. A análise comparativa com o Mebẽgôkre. retoma os registros Cayapó do Sul (Pohl, 1832; Saint-Hilaire, 1848, Kupfer, 1870; Lemos da Silva, 1882; Nehring, 1894; Barbosa, 1911) e o Panará (Dourado, 1990, 2001; Vasconcelos, 2012), não mais para colocar em cheque a hipótese, mas para apresentar elementos que mostrem a sua plausibilidade, contribuindo, consequentemente, para a história dos povos Jê e suas relações.

 Palavras-chave: Análise Comparativa. Línguas Jê. Cayapó do Sul. Panará. Mebẽgôkre.

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Desenvolvimento Histórico dos Prefixos Pronominais e Pronomes Independentes no Subgrupo Lokono-Wayuunaiki da Família Arawak

Fernando O. de Carvalho (MN/UFRJ)

 

Apresentamos aqui uma análise dos desenvolvimentos diacrônicos dos prefixos pronominais e dos pronomes pessoais independentes nas três línguas tidas como membros do subgrupo Lokono-Wayuunaiki da família Arawak – Lokono, Wayuunaiki e Añun. Os resultados aqui apresentados inserem-se em um projeto de pesquisa mais amplo dedicado à linguística histórica da família Arawak (ver e.g. Carvalho 2015a, 2015b, no prelo). Partindo de uma reconstrução interna do sistema do Lokono e do Wayuunaiki, propomos um sistema para a proto-língua composto de sete prefixos de pessoa e número (com uma distinção de gênero na terceira pessoa singular) e de formas pronominais livres derivadas pela prefixação destes marcadores a uma base ‘enfática’ *-ja. As mudanças sonoras postuladas são compatíveis tanto com os processos morfofonêmicos atestados sincrônicamente nas línguas em questão quanto com desenvolvimentos históricos independentemente justificados. Para o Lokono e o Añun encontramos evidência de processos de mudança analógica (não condicionados foneticamente) no desenvolvimento de algumas formas. Por fim, através da comparação com formas existentes em uma língua externa ao subgrupo Lokono-Wayuunaiki, o Garifuna, discutimos uma hipótese a respeito da origem da base enfática sobre a qual se derivam as formas pronominais livres. Também discutimos em que medida as reconstruções aqui apresentadas para o Proto-Lokono-Wayuunaiki não apresentam uma série de limitações encontradas em reconstruções prévias propostas para esta proto-língua.

Palavras-chave: Linguística Histórica. Lokono-Wayuunaiki. Família Arawak.

Referências Bibliográficas

Carvalho, Fernando O. de. 2015a. On the Realization of Nominal Possession in Mehinaku: A Diachronic Approach. International Journal of American Linguistics 81 (1): 119-132.

Carvalho, Fernando O. de. 2015b. Morphophonological Diversity in the Arawak Family: The Case of Mehinaku. Paper apresentado na conferência Diversity Linguistics: Retrospect and Prospect. Max Planck Institut für Evolutionäre Anthropologie (MPI/EVA), Leipzig, Alemanha, 1-3 de maio de 2015.

Carvalho, Fernando O. de. no prelo. Internal and Comparative Reconstruction in Yawalapiti: Palatalization and Rule Telescoping. International Journal of American Linguistics.

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De falecido a coitado:
a expressão de pena, dó, solidariedade e empatia em Apurinã.

Laíse Maciel Barros (UFPA)

Prof. Dr. Sidney Facundes (UFPA)

As línguas do mundo comumente possuem formas lexicais ou elementos morfológicos que expressam as noções de mortes e/ou perdas, acontecimentos, em geral, carregados de emoções. Neste trabalho demonstraremos o que acontece quando um morfema que indica a noção de ‘finado’ é usado também com outros significados na língua Apurinã. Mostraremos que a marca morfológica =nhi é usada para expressar noções como falecido, sofredor de uma ação e sentimentos de solidariedade do locutor. Diante disso, propomos uma análise que unifica esses significados a partir de sua função pragmática principal. A língua indígena Apurinã (Aruák) é falada pelo povo que possui e mesma denominação e reside no sudeste do estado do Amazonas. Como já mencionado acima, o morfema =nhi apresenta três usos distintos: um voltado para a marcação de finado, como em Natukyrinhi kamary katarukyry [meu.finado.avô fazer farinha] meu finado avô fazia farinha’; outro marcando alguém que sofre ou é resultado de uma ação: Pupkarinhi iripe [finado.índio cair] o índio caiu; e, por fim, para expressar solidariedade: Ywapitinhi anãpa kuryãpe inatxĩnhi [coitado.dele cachorro morrer fome]o coitado do cachorro morreu de fome. Tais usos estão agregados à natureza semântico-pragmática desses enunciados, pois expressam a atitude do falante e sua empatia ao se posicionar diante do falecimento de alguém, de alguém que se machuca, ou manifestando um sentimento solidário. Esta função traz consequências também para a marcação morfossintática do alinhamento dos argumentos verbais. Para se descrever os fatos relevantes sobre os usos do =nhi, mostraremos suas diferentes ocorrências na estrutura das palavras em Apurinã, assim como, os variados usos e funções relacionadas a este morfema. Este estudo é de cunho tipológico-funcional, e envolve aspectos semânticos, pragmáticos e morfossintáticos.

Palavras-chave: Línguas Indígenas. Apurinã (Aruák). Marca de falecido.

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